domingo, 12 de fevereiro de 2017

Poema dialético


                                         

   I

                                     
   " Todas as coisas ainda se encontram em esboço 
                                          
Tudo vive em transformação 
                                         
 Mas o universo marcha 
                                        
  Para a arquitetura perfeita .
                                          
Retiremos das árvores profanas 
                                        
  A vasta lira antiga .
                                        
  Sua secreta música 
                                         
 Pertence ao ouvido e ao coração de todos .
                                         
 Cada novo poeta que nasce 
                                         
 Acrescenta - lhe uma corda .  



II

Uma vida iniciada há mil anos atrás

Pode ter seu complemento e plenitude 

Numa outra vida que floresce agora .

Nada poderá se interromper

Sem quebrar a unidade 

Um germe foi criado no princípio

Para que se desdobre em plenos múltiplos .

Nossos suspiros , nossos anseios ,

nossas dores .

São gravados no campo infinito 

Pelo espírito sereníssimo que preside às gerações .


III

A muitos só lhes resta o inferno .

Que lhes coube na monstruosa partilha da vida 

Senão um desespero sem nobreza , e a peste da alma 

Nunca ouviram a música nascer do farfalhar das árvores ,

Nem assistiram à contínua  anunciação 


E ao contínuo parto das belas formas .

Nunca puderam ver a noite 

Chegar sem elementos de terror .

Caminham conduzindo o castigo e a 

sombra de seus atos.

Comeram o pó e beberam o próprio suor .

Não se banharam no regato livre ...

Entretanto , a transfiguração precede a morte .

Cada um deve realizá - la na sua carne e no seu espírito 

Para que a alegria seja completa e definitiva .


IV

É necessário conhecer seu próprio abismo 

E polir incessantemente o candelabro que o esclarece .

Tudo no universo marcha , e marcha para esperar .

Nossa existência é vasta expectação .

Onde se tocam o princípio e o fim .

A terra terá que ser retalhada entre todos .

E restituída um dia à sua antiga harmonia.

Tudo marcha para arquitetura perfeita .

A aurora é coletiva ."


[ Murilo Mendes ]



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