O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.
Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor ,
seu clarão seu perfume ?
Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido ?
A linguagem dispõe
de conceitos , de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes
só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa
de saliva e papilas
invandindo -te inteiro
tal do mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,
um tumulto de vozes
de gozos , de espasmos,
vertiginoso e pleno
como são os orgasmos
No entanto , o poeta
desafia o impossível
e tenta no poema
dizer o indizível:
subverte a sintaxe
implode a fala, ousa
incutir na linguagem
densidade de coisa
sem permitir , porém,
que perca a transparência
já que a coisa é fechada
à humana consciência.
O que o poeta faz
mais do que mencioná-la
é torná-la aparência
pura - e iluminá-la.
Toda coisa tem peso:
uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa
que não tem nada dentro ,
a não ser o ressoar
de uma imprecisa voz
que não quer se apagar
- essa voz somos nós. [ Ferreira Gullar ]
[ Poema extraído dos " Cadernos de Literatura Brasileira ",editados pelo Instituto Moreira Salles - São Paulo ]
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