" Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão , perdido por acaso , nasce e cresce na terra descuidada .
Ponho folhas e hastes e se me ajudares Senhor , mesmo planta de acaso ,
solitária , dou espigas e devolvo em muitos grãos , o grão perdido inicial ,
salvo por milagre , que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura .
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo .
E de mim , não se faz o pão alvo , universal .
O Justo não me consagrou Pão da Vida , nem lugar me foi dado nos altares .
Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra ,onde
não vinga o trigo nobre .
Sou de origem obscura e de ascendência pobre .
Alimento de rústicos e animais do jugo .
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito .
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante .
Sou a farinha econômica do proletário .
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha .
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis .
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado .
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece .
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos .
Sou a pobreza vegetal , agradecida a Vós , Senhor , que me fizeste
necessária e humilde
Sou o milho ."
[ Cora Coralina ]
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